Com a palavra: Tasso Azevedo, engenheiro florestal

Para entender melhor a relação entre meio ambiente e os surtos de doenças infecciosas originadas pela transmissão de animais, especialmente os selvagens, entrevistamos o engenheiro florestal Tasso Azevedo. Ele coordena o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e o Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas). Confira, a seguir, o que um especialista tem a dizer.

Qual a relação entre meio ambiente e pandemias?

Dá pra dizer duas coisas de forma geral. A primeira é que a destruição do meio ambiente faz com que você tenha a possibilidade de vírus que estão em ambiente natural, e que não circulam em humanos, e que na natureza são inertes (sem efeito), possam passar para os humanos. Isso acontece tanto por conta do contato que a gente passa a ter neste processo de destruição, quanto também pelo fato de, ao se ter essa destruição, você tornar mais próximos os animais, por terem que seguir para áreas urbanas ou áreas onde estamos pra poder se alimentar, etc. Também tem o fato de que a caça e o uso em centros urbanos de animais silvestres, como acontece na China, também pode permitir que aconteça essa transmissão de vírus pela natureza, de estarem vindo para os seres humanos.

A segunda relação é entre a qualidade do ambiente que a gente vive e a possibilidade de dispersão dessas doenças. Por exemplo: quando você tem um problema de saneamento e tem uma enchente ou algo parecido e você tem coisas como leptospirose, transmitida por ratos, que podem se espalhar. Ou como agora, quem tem condições sanitárias piores, não tem acesso a água limpa, tem muito mais dificuldade de se proteger contra a expansão dessa pandemia. Então são duas relações importantes.

Ter uma grande biodiversidade aumenta o risco de termos novas doenças no Brasil?

A biodiversidade em si não é um risco, na verdade é até um asset, um patrimônio que ajuda você a enfrentar. A questão é que a destruição e degradação dos ambientes é que aumenta o risco dessas doenças saírem. Num lugar tão diverso e importante como a Amazônia, deve ter centenas de vírus, talvez milhares, que poderiam ser tão perigosos quanto esse do coronavírus, mas que estão lá circulando nos animais e não tem efeitos neles. Mas que ao passar pra gente eles podem ser muito perigosos. Então, mantendo o ambiente saudável e a biodiversidade conservada, ela não é um risco, mas uma oportunidade.

O desmatamento, as queimadas e outras formas de degradação também aumentam esse risco?

Sim. Nesse caso específico, que são doenças respiratórias, como a Covid-19, as queimadas potencializam muito os efeitos da doença, porque é uma doença respiratória e um dos principais efeitos negativos da fumaça que sai dos incêndios é provocar doenças respiratórias, insuficiência pulmonar. Então sim, causa um efeito importante.

Você poderia falar das doenças já conhecidas que têm relação com a degradação ambiental?

Já falei da leptospirose, das condições sanitárias. Outra muita bem estudada é a malária e a febre amarela. Ambas se potencializam e são muito mais fortes em regiões onde você tem degradação ambiental, tem bastantes estudos mostrando essa conexão.

O isolamento social tem provocado “surpresas” em todo mundo, como o retorno de animais silvestres a locais que não habitavam mais e a melhoria da qualidade do ar e da água. O que podemos aprender com isso? Que atitudes tomadas na quarentena poderiam ser mantidas pós-isolamento em prol da saúde e do meio ambiente?

Coisas interessantes que estão acontecendo com o isolamento e podem ser perpetuadas. Acho que as principais coisas são relacionadas à poluição atmosférica: pela diminuição da circulação, diminui o número de carros, as indústrias diminuem a produção, isso gera uma redução na emissão de material particulado e an poluição local, e também de gases do efeito estufa, porque diminui a queima de combustíveis fosseis.

O que mostra que a gente é capaz de fazer reduções importantes das emissões desses poluentes em um intervalo de tempo curto. Um exemplo que a gente vê neste momento é que existe um número excessivo de viagens absolutamente desnecessárias, especialmente de avião, e até mesmo de carros nos centros urbanos, transporte individual. Por exemplo, muitas viagens de negócios pra fazer uma reunião são absolutamente desnecessárias, hoje a gente percebe que dá para ser feito à distância usando as tecnologias existentes de videoconferência, encontros virtuais, etc. Esse é um tipo de mudança que pode se perpetuar.

A outra é que enxergando como a qualidade da água pode se alterar quando você exclui especialmente os poluentes de embarcações pode nos levar a pensar em novas formas de tratar as embarcações que não utilizem óleos e combustíveis fosseis – que fazem boa parte dessa poluição. Já era uma tendência termos novas formas de propulsão de navios, barcos, etc, especialmente modelos elétricos. Temos agora uma oportunidade de eles serem potencializados, o que fará uma diferença na questão da poluição da água.
São dois exemplos de coisas.

Um terceiro exemplo é a questão do consumo. Quando a gente está numa situação como essa, a gente reduz bastante o consumo e pode perceber que certas coisas são desnecessárias. Talvez, se isso for um efeito de longo prazo, seria ótimo que se mantivesse.

Você avalia que esta pandemia pode despertar um novo olhar sobre a ciência, a necessidade de preservação ambiental e questões fundamentais, como saneamento e acesso à água de qualidade?

Sobre o despertar para um novo olhar para a ciência, acho que isso já está acontecendo. Nunca foi tão importante se olhar para a ciência, a ciência é a solução, não tem uma saída para esse tema que não envolva a ciência, a necessidade de gerar novos remédios, gerar vacinas, dados que permitam a gente definir a melhor estratégia pra você fazer a cada passo que a gente dá. Então, sim, é absolutamente crucial e certamente a ciência e o olhar sobre a ciência sairão fortalecidos desse processo como um todo.

A gente espera também que a gente saia dessa pandemia com um outro nível de consciência sobre a forma como nós vivemos e como podemos viver daqui pra frente. Se a gente conseguir captar que esse tipo de impacto que estamos tendo agora é apenas um dos potenciais impactos que a gente teria com as mudanças climáticas, com diferentes tipos de epidemias e pandemias, e desastres que podem acontecer em escala global, isso pode nos levar a acelerar muito mais a nossa transição para uma economia de baixo carbono e que evitem os desastres previstos pelas mudanças climáticas com o aumento de temperatura acima de 2 graus no planeta.

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