Câmara Mirim na revista científica Cadernos Pagu

A experiência vivida por meninas negras no Programa Escola Cidadã de Ibirité (MG) e no Câmara Mirim virou objeto de pesquisa. O resultado saiu em agosto na prestigiada revista científica Cadernos Pagu, publicada pelo Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Conduzido pelos educadores João Paulo Lisbão Nanô, Otávio Henrique Ferreira da Silva e Rafaelle Stéphanie Oliveira Caetano, com a participação de 11 entrevistadas, o trabalho aponta a contribuição das iniciativas para a ampliação do protagonismo de meninas e mulheres negras nos espaços de poder.

O impacto positivo da participação da Escola Municipal Maria das Mercês Aguiar no Câmara Mirim, em 2017, acabou dando frutos. Serviu de referência para a criação de um programa municipal chamado Escola Cidadã, envolvendo 5 escolas no ano seguinte. A ideia central era estimular a ocupação de espaços de poder por crianças e jovens entre 10 e 15 anos. Dentro desse trabalho, um tema ganhou destaque: as relações raciais e de gênero no contexto social e político.

Representatividade

Mestrando em Educação e Docência pela UFMG e professor da rede municipal de Educação de Ibirité, João Paulo lembra que a representatividade entre os deputados e deputadas mirins que viriam a Brasília foi uma preocupação desde o início. Por isso, foram estabelecidas cotas de gênero e raça. “Havia um combinado com todas as escolas de que pelo menos 50% dos eleitos teriam que ser mulheres e 50% teriam que ser negros. Criamos um mecanismo de pesos e contrapesos para que essas cotas fossem preenchidas. Mas em nenhum dos anos foi necessário acionar o mecanismo”, observa João Paulo.

O educador tem uma explicação para isso. “Foi fruto do recorte de público populacional da cidade, que é majoritariamente negra. E a questão das meninas é uma coisa que todo professor nota. Geralmente em propostas que exigem uma certa reflexão, uma dedicação maior, é inegável que há uma maior adesão das mulheres”. Para João Paulo, a redução da participação feminina nos espaços de poder, na vida adulta, mostra como a nossa sociedade é excludente.

Como não há critérios econômicos para a participação no programa, as deputadas e deputados mirins acabam refletindo melhor a composição da sociedade brasileira do que o atual do Parlamento, na opinião de João Paulo. Ele lembra que a maioria do Congresso é formada por homens brancos, vindos do setor empresarial, apesar de a maioria da população ser negra, mulher e da classe trabalhadora. “É interessante que, em outros espaços que não na política parlamentar, as mulheres negras são grandes participantes, grandes lideranças nas comunidades, nos movimentos sociais”, observa.

Racismo

O artigo trata da mulher negra e sua representatividade na política brasileira para, em seguida, trazer o estudo de caso de Ibirité. Em um questionário aberto, as entrevistadas puderam relatar suas impressões sobre racismo, discriminação por gênero e se algo mudou após o ingresso no Programa Escola Cidadã/Câmara Mirim.

Uma percepção apontada pelos autores do artigo é de que “ser negra exige ser forte”. A estudante Karen, de 15 anos, escreveu: “Só de ser menina não é fácil porque tem o machismo. E ser negra torna a vida ainda mais difícil”. O relato de Graziele, 13 anos, seguiu a mesma linha. “As mulheres já são vistas com inferioridade, e quando elas são negras isso só aumenta. A menina negra sofre preconceito por ela não se encaixar no ‘padrão’ da sociedade, por ela não se diminuir para ser aceita, por ela lutar pelos direitos iguais num país onde o preconceito muitas vezes reina”.

A participação no programa aparece como uma oportunidade para se quebrar o ciclo de preconceito e reconstruir a forma como essas meninas enxergam seus potenciais. “Estou aprendendo a exercer a cidadania e meus deveres e direitos como cidadã. Eu passei a levar educação política para meus amigos e familiares, a levar as coisas mais a sério”, contou Júlia, de 15 anos. “O projeto me faz sentir que eu posso ajudar outras pessoas. Além disso, ele ajuda as estudantes a se impor na sociedade e a se manter mais firme diante do preconceito”, afirmou Rafaela, 13 anos.

Empoderamento

As respostas vão ao encontro dos objetivos do projeto, que desde o início pretendia ir além da participação dos estudantes no Câmara Mirim, em Brasília. “A ideia era promover um verdadeiro letramento político, trazer temas prementes à sociedade brasileira para o debate no espaço escolar, e a cereja do bolo seria levar 30 alunos para Brasília. O motivador inicial para os educandos era poder projetar-se como um deputado mirim. Mas conseguimos notar que isso promoveu todo um processo de politização, de discussão dentro da comunidade escolar, de pensar-se enquanto agentes políticos. Teve um impacto na cidade, sem dúvida”, relata João Paulo.

O educador ressalta a importância do incentivo na vida das estudantes e celebra também a mudança na percepção da política. “A gente notou que a política passou a ser discutida de uma outra forma, um pouco menos mistificada. Já há uma tendência de se entender que é um espaço de debate. Eu acho que a educação para a democracia é sempre esse processo, você abre os espaços”, considera.

O artigo “Meninas negras e política: combatendo o racismo e fomentado a participação delas no espaço público” pode ser conferido aqui.

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