Naquela época, nenhum parquinho de areia, árvore em que subir nem quadra de esportes para jogar bola. No tempo da construção de Brasília, a capital tinha uma terra vermelha que impregnava tudo e os candangos, como ficaram conhecidos os primeiros trabalhadores que vieram construir a capital, tinham que morar longe do centro, numa região chamada Cidade Livre.
Ali, não havia nenhuma opção de lazer. Os candangos moravam em barracos improvisados de madeira, açoitados pela ventania e pelas chuvas de granizo, muito comuns naqueles tempos. Mas quem não tem cão caça com gato: naquelas condições, a criançada se divertia também na base do improviso.
Quem conta essa história é Marcelo dos Santos, que chegou à nova capital brasileira aos 3 anos de idade, quando nenhum prédio do Plano Piloto estava construído ainda! E como ele viu de pertinho o nascimento de Brasília, as memórias são muitas.
Filho de mineiros, ele conta que a viagem ao Distrito Federal foi uma completa aventura dos pais. “Ninguém mais da família quis vir para cá. Viemos apenas eu, meus pais e meu irmão. Eles foram muito corajosos, porque Brasília ainda era um enorme cerrado e não tinha nada aqui”.
Quando morava na Cidade Livre, Marcelo aproveitava o tempo para deitar na grama e olhar as nuvens e os urubus no céu. Além das clássicas brincadeiras de carrinho e bola, ele também se divertia com o barulho dos ratos que corriam no teto do barraco, à noite.
Infância na capital federal
Brasília tinha muitos ratos que eram difíceis de extinguir. Não importa aonde as pessoas fossem, os ratos estavam lá. Foi o que aconteceu quando Marcelo se mudou com a família para o começo da Asa Norte, em uma região bem central da cidade. “Os ratos ficavam nas lixeiras do prédio e, à noite, subiam e desciam as escadas bem rápido. Foi necessário uma longa campanha de limpeza para exterminá-los”, conta ele.
Mas é claro que ninguém brincava com os ratos. Marcelo teve uma infância como qualquer outra da sua época: pegou catapora, subiu em árvores e construiu carrinhos de rolimã. Além disso, fez coisas bem típicas que as crianças brasilienses fazem até hoje: brincou com amigos embaixo do prédio mesmo quando o tempo ficava muito seco e quente. Nas férias, o melhor a fazer era voltar para a terra natal e passar o tempo com a família.
A época de obras resultou também em boas brincadeiras. Por causa das construções e do vento forte, Brasília era sempre infestada de redemoinhos de terra vermelha que corriam pra lá e pra cá. Além disso, o fornecimento de energia elétrica era bem falho. Quando faltava luz, era a hora perfeita de brincar de pique-esconde.
Crescendo junto com Brasília
Marcelo também guarda lembranças de quando a cidade cresceu mais um pouquinho e começou a ter zonas comerciais, lojas grandes e cinema. “Lembro de ir ao Cine Alvorada, que ficava perto de casa, para ver um desenho animado da Disney. E como o comércio ainda não era tão desenvolvido, a opção era comprar na Bibabô, loja que vendia de tudo”, conta ele. Debaixo de alguns prédios residenciais, bancas vendiam revistas, jornais e sabonetes.
Depois foi a época de visitar o Parque Nacional de Brasília, ou Água Mineral, com piscinas e trilhas para caminhada, inaugurado no final de 1961. O Jardim Zoológico da capital, construído em 1957, antes mesmo da inauguração da cidade, também foi muito visitado por Marcelo e por outras crianças candangas.
Mesmo crescendo junto com a cidade e vendo as construções desde o começo, Marcelo ainda sente uma forte identidade com as raízes mineiras. “Posso me considerar brasiliense, mas a gente nunca esquece a história e as origens da família”. Tirando isso, ele garante: a sensação de crescer junto com a capital do país é motivo de orgulho.
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