Produção de jeans no agreste sem trabalho infantil

Em Riacho das Almas, município do agreste pernambucano, há uma importante iniciativa de combate ao trabalho infantil na produção e confecção de jeans.

Lá, o jeans ocupa um lugar importante na economia local e é produzido em espaços chamados fabricos ou facções, muitas vezes em um esquema familiar. E o trabalho infantil, infelizmente, ainda faz parte dessa cadeia produtiva, com tarefas que fazem mal à saúde e jornadas exaustivas para crianças e adolescentes.

Em parceria com o Fundo Brasil de Direitos Humanos, a organização não governamental Avante – Educação e Mobilização Social desenvolveu o projeto Prote-Já, responsável por um amplo diagnóstico da situação em Riacho das Almas, em 2019. Em seguida, veio um trabalho de formação baseado nos dados levantados, envolvendo conselheiros tutelares, agentes comunitários de saúde, representantes de secretarias municipais, dos produtores de jeans e a população.

A pesquisa identificou as principais formas de trabalho infantil na região. É grande a presença de crianças em feiras livres e no trabalho doméstico, mas é ainda mais forte na produção do jeans. “Sobretudo por ser uma força de trabalho barata, muitas vezes nem remunerada diretamente, porque geralmente é exercido no núcleo familiar, por uma criança no contraturno ou que às vezes nem vai pra escola. O maior grupo está nas facções, que são espaços menores em que se produz jeans. Alguém vai lá, entrega o jeans, alguém ali corta, fecha a calça, prega o botão. E algumas estão em lugares ainda piores, como as lavanderias, que envolvem temperatura alta, tintura, produtos tóxicos”, detalha o coordenador do Prote-Já, José Humberto Silva.

Desafios

O diagnóstico também apontou as principais dificuldades de enfrentamento da situação no município: a naturalização do trabalho infantil, a ideia de que é uma forma de evitar que os filhos fiquem na rua, a baixa percepção da educação como uma possibilidade de mudança de vida e, claro, a necessidade financeira. Com essa espécie de mapa do problema, começaram as ações focadas na produção do jeans, com atividades de formação de diferentes agentes públicos para atuarem mais efetivamente na prevenção e combate ao trabalho infantil, além de um cuidado especial na abordagem das famílias.

“Estamos falando de famílias vulneráveis na sua maioria. A gente também tem casos que fogem dessa curva, mas a relação pobreza/trabalho infantil é estruturante. Então a gente precisa ter muito cuidado para não culpabilizar quem já sofre outras questões cotidianas, de falta de trabalho, de moradia, de condições dignas de sobrevivência”, explica o José Humberto.

Para ele, uma ação fundamental e imediata é oferecer atividades de contraturno para as crianças e adolescentes. Mas só isso não basta. “É importante assistir essa famílias, gerar renda, políticas de saúde, um conjunto de ações de diferentes ordens que envolvem toda a família”, defende. Como os recursos públicos são escassos, a Avante promove a articulação entre os diversos atores sociais. “Muitas vezes as ações são sobrepostas, então a Secretaria de Educação cria uma, depois a Assistência cria outra, depois a Saúde. O ideal é que as políticas sejam articuladas para que as crianças sejam atendidas de preferência todos os dias”. Esse trabalho de diagnóstico, mobilização social e formação de agentes públicos envolveu diretamente 500 pessoas em Riacho das Almas, e outras 1500 indiretamente. A cidade tem cerca de 20 mil habitantes.

Impactos do trabalho infantil

Durante a etapa de formação, o grupo sugeriu a criação de uma cartilha que explicasse o problema em linguagem fácil e incentivasse a população a pensar sobre o impacto do trabalho precoce sobre as crianças e adolescentes. “ É uma violação do direito de ser criança e adolescente, de viver a infância e a adolescência, com consequências físicas, emocionais, sociais. Famílias que têm crianças trabalhando desde muito cedo geram famílias pobres e aí esse círculo da pobreza se perpetua. Dificilmente uma criança trabalhadora rompe esse círculo. Diante das outras consequências, essa é uma muito perversa”, pondera o especialista.

Trabalho em tempos de Covid-19

Assim como em outros lugares, a pandemia da Covid-19 tem afetado a economia do agreste, fechando inclusive a Feira de Caruaru, grande destino do jeans produzido em Riacho das Almas. Por isso, a Avante criou uma segunda etapa do Prote-Já, direcionada a 150 famílias em situação vulnerável e que tinham ou ainda têm crianças e adolescentes em contexto de trabalho infantil. A seleção dos beneficiários foi feita por um comitê formado por representantes do poder público e da sociedade civil.

As famílias receberam cesta básica, um kit com itens de higiene, a cartilha sobre trabalho infantil e um kit criança, com lápis de cor, giz de cera e papéis. Como contrapartida, foram entregues kits para a confecção de máscaras de proteção – cada família deve produzir 50 máscaras, que estão sendo distribuídas gratuitamente para a população de Riacho das Almas.

Opinião de quem faz a diferença

José Humberto, o que seria necessário para a erradicação do trabalho infantil?

– é central reduzir as desigualdade sociais, uma vez que o trabalho infantil tem uma relação direta com a questão de classe;
– do ponto de vista das ações governamentais, uma ação fundamental é contribuir para o desenvolvimento local sustentável das regiões que inserem crianças no trabalho infantil. Diagnosticar o potencial local, apoiar famílias, pequenos agricultores, empresas de pequeno, médio e grande porte, sobretudo na contratação por via da aprendizagem;
– no campo da escola, promover ações de contraturno escolar;
– no campo da saúde, promover um processo constante de informar a população dos riscos do trabalho infantil a curto, médio e longo prazos;
– do ponto de vista das ações da sociedade, um trabalho de formação e informação constantes, desmistificando a ideia de que o trabalho sempre dignifica o homem. Isso não é verdade. A relação entre o trabalho infantil e o trabalho escravo é muito estreita: crianças e adolescentes inscritas no trabalho infantil são fortes candidatas a se inserirem no trabalho escravo;
– conscientizar e penalizar marcas e empresas que usam o trabalho infantil.

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