O último dia de aula presencial antes da pandemia marcou o professor de Ciências e Biologia, Arthur Cabral. Poucos estudantes foram à Escola Deputado Oscar Carneiro (Camaragibe/PE) e o clima era de apreensão. “Quando eu saí da escola, olhei para trás e fiquei refletindo sobre como aqueles estudantes iriam enfrentar a pandemia. Eu tinha certeza que a vida de todo mundo iria mudar de alguma forma, seja por perda de parentes ou porque alguns não enfrentariam da mesma forma que os outros, até por condições financeiras”, lembra. E foi exatamente o que aconteceu.
As aulas remotas começaram em abril, mas até a metade do mês de junho um grupo de estudantes dos 6º e 7º anos, com idades entre 11 e 13 anos, não dava retorno sobre as atividades propostas. Arthur partilhou a preocupação com outros educadores, que também suspeitavam que as ausências poderiam ser pela dificuldade de acessar os conteúdos online.
“Veio um filme na minha cabeça, porque, em 2009, a gente quase teve uma pandemia da gripe H1N1, a gripe suína. Vários professores no cursinho em que eu estudava falavam que se chegasse aqui no Brasil as aulas seriam suspensas e muitas atividades e aulas seriam pela internet. Aquilo me deixou muito preocupado, porque eu não tinha celular, não tinha internet e também não tinha computador em casa”, recorda. Quando contou sua preocupação a dois professores, eles lhe deram apostilas, atividades e seus números de telefone, garantindo que Arthur teria ajuda se a pandemia se confirmasse.
Professor em ação
Arthur Cabral nunca se esqueceu do gesto. Inspirado por ele, resolveu agir durante a pandemia da Covid-19. “Era minha obrigação fazer alguma coisa. Muitos estudantes moram em escadarias, becos, ladeiras, então pensei que a melhor forma de chegar até eles de forma rápida e que não me expusesse tanto seria de bicicleta. E aí eu tive a ideia de imprimir atividades, xerox de capítulos de livros e resumos da internet não só de Ciências, mas de todas as outras disciplinas”, conta.
Alguns amigos apoiaram a compra de papéis, envelopes e tintas da impressora. Arthur entrou em contato com o líder comunitário da região, que o ajudou a encontrar todos os endereços dos estudantes ausentes. Eles começaram pela casa de Glória, uma aluna que adorava estudar. “Eu bati na porta e ela saiu com a mãe. Quando olharam para mim, falaram: professor, o senhor tá fazendo o que aqui? Quando puxei o envelope da bolsa e disse: aqui estão suas atividades, toda sexta-feira virei na sua casa, rolaram lágrimas de felicidade, de agradecimento, elas ficaram muito emocionadas. Isso se repetiu em cada casa que eu fui. Aquele sentimento de surpresa com alegria, o professor aqui na minha casa!”.
E, a cada entrega, ele confirmava que aqueles estudantes não participavam das aulas remotas por falta de recursos: a grande maioria das famílias tinha um único aparelho para 3, 4 ou até 5 irmãos assistirem as aulas, comprometendo toda a cadeia de aprendizagem.
Solidariedade contagiante
Arthur Cabral avalia que as visitas reacenderam a vontade de estudar naquele grupo. Além disso, foram uma oportunidade de conversar com os estudantes e saber de suas dificuldades não só com as tarefas escolares. “Comecei a perceber que várias deficiências de aprendizado partiam do berço familiar. Então, se eu pude ter uma lição com esse projeto, foi a de me tornar um professor mais empático e observar todo o contexto da realidade do estudante – não só o que ele entrega em sala de aula”, avalia.
O professor cita outro fato marcante. “Quando o projeto começou a ter repercussão, muitas pessoas entraram em contato para fazer doação de aparelhos celulares e tablets. Até que um senhor, que preferiu não se identificar, perguntou quantos faltavam. Eu já tinha recolhido alguns, fiquei até com vergonha e disse que faltavam 8. Ele veio na minha casa e entregou esses 8 aparelhos novos, na caixa”, cita Arthur, considerando esse um dos momentos mais marcantes do processo, por perceber o envolvimento de toda a comunidade.
Com a entrega dos dispositivos, Arthur Cabral encerrou a rotina semanal de distribuição de envelopes com tarefas escolares que manteve durante quatro meses. Mas suas visitas continuam, com a entrega de cestas básicas para as famílias daqueles estudantes.
Desafios pessoais
Vale destacar que o professor Arthur Cabral também enfrentou desafios dentro de casa neste período de isolamento e trabalho remoto, junto com os afazeres domésticos e cuidados com a filha pequena. As mensagens e chamadas dos estudantes e responsáveis não tinham hora para acontecer: das 7h à 1h da manhã chegavam notificações.
Como seus estudantes, Arthur esbarrou em dificuldades com o ensino remoto. Não tinha um computador no começo da pandemia e precisou usar o celular da esposa para gravar vídeos, dar aula e interagir com a turma, quando seu aparelho quebrou. Além disso, teve que se esforçar para manter a motivação do grupo, usando inclusive recursos próprios para comprar materiais que tornassem as aulas remotas mais interessantes e divertidas.
Apesar da desvalorização da educação e seus profissionais, Arthur Cabral segue esperançoso. “Paulo Freire falava que quando se é professor, a gente precisa levar esperança. Mas não é esperança do verbo esperar, é esperança do verbo esperançar. É aquela atitude, é juntar com o outro pra fazer diferente, pra mudar uma realidade. É por isso que os professores e professoras não desistem. A gente acredita na educação. No momento que a gente parar de acreditar, esse país que já é tão difícil vai ficar impossível. Então a gente não pode desistir de ninguém”, sentencia. Palavras de quem, em plena pandemia, mostrou que sempre é possível fazer a diferença.
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