Setembro Amarelo: atenção aos pedidos de ajuda

É importante quebrar o estigma de que “chamar a atenção” é algo ruim, especialmente porque pode haver um pedido de ajuda no ato criticado. O alerta é da psicóloga Larissa Vasques Tavira, pesquisadora do sofrimento psíquico e comportamento suicida.

“Existem formas de chamar a atenção que são saudáveis. Se eu sou uma pessoa engraçada, faço as pessoas rirem, ou se eu tento chamar atenção pela vaidade ou pela inteligência, são formas que podem ser positivas e funcionais. A pessoa que tenta chamar atenção se machucando, falando que vai se matar, mesmo que essa pessoa não tenha coragem suficiente, que não vá ao ato, ela já está anunciando para o mundo: eu não tenho recursos, eu não tenho condições de lidar com meus problemas. Essa é a melhor forma que encontrei, eu preciso de ajuda. É um pedido de ajuda sempre”, explica.

Neste mês mundial de prevenção ao suicídio, o Plenarinho conversou com a especialista, que traz esclarecimentos importantes para educadores que se deparam com estudantes enfrentando situações como essas em seu dia a dia.

O que é a automutilação?

A automutilação consiste na pessoa provocar, de maneira consciente, ativa, qualquer tipo de ferimento, lesão ou machucado, deixando marcas ou não, isso sendo visível ou não.

Que tipo de mensagem essas marcas, esse ato, pretendem passar?

Então, não tem um significado único. A automutilação pode tanto representar uma auto ideação suicida de fato, a pessoa vislumbra que daquela maneira ela pode conseguir se matar, como pode ter outros significados. O significado de a pessoa tentar transportar uma dor emocional, que é muito impalpável, em uma dor física. Eu estou tão desesperado, tão desesperado, que eu me machuco para sentir uma outra dor. Como pode ter o significado de autopunição por culpa, pode ter o desejo de conseguir comunicar ao outro, chocar o outro, mostrar para o outro que precisa de ajuda… Pode ter muitos significados, pode ser tudo isso junto. Cada caso precisa ser olhado sempre com atenção. O mais importante é quebrar esse estigma pejorativo, essa ideia de que chamar atenção é uma coisa ruim. Existem formas de chamar a atenção que são saudáveis. Se eu sou uma pessoa engraçada e faço piadas o tempo todo, faço as pessoas rirem, se eu tento chamar atenção pela beleza, pela vaidade, pela inteligência, são formas que podem ser positivas e funcionais. A pessoa que tenta chamar atenção se machucando, falando que vai se matar, mesmo que essa pessoa não tenha coragem suficiente, que não vá ao ato, ela já está anunciando para o mundo: “eu não tenho recursos, eu não tenho condições de lidar com meus problemas. Essa é a melhor forma que encontrei, eu preciso de ajuda”. É um pedido de ajuda sempre.

Então, independentemente da mensagem e da forma, é preciso muito cuidado com essa pessoa, né?

Com certeza, a gente nunca sabe. Tem pessoas que realmente querem se matar e que podem não conseguir, e também precisam de acolhimento. E tem pessoas que as vezes não têm essa intenção, mas podem perder a mão em um ato simples e acabarem perdendo a vida. A gente tem que sair do foco do “quem eu vou levar a sério, quem não vou levar, quem está chamando a atenção e quem não está” e ver que são formas precárias de resolver problemas. Então essas pessoas todas precisam de acolhimento.

Indo para o ambiente escolar, como um educador pode identificar um estudante que está passando por uma situação dessa?

O professor, muitas vezes, é linha de frente pra comunicação dos alunos. Às vezes, os alunos têm uma relação que pode ser mais próxima do que com os pais, com outras figuras, é uma pessoa que está diretamente na sala de aula, que é capaz de perceber um aluno que vai se isolando, ou que a nota piorou, ou que algum colega às vezes não sabe a quem recorrer e conta pro professor. O professor não necessariamente tem recursos para fazer um acolhimento, mas ele é alguém que é demandado. Ele vai precisar pensar junto à coordenação pedagógica, junto a toda a equipe do colégio, em estratégias. Às vezes tem uma figura, um próprio psicólogo dentro do colégio. Alguém para oferecer essa escuta. Se o professor tem essa disponibilidade, poder sentar, conversar com esse aluno, estando disposto a ouvir. Pode parecer a coisa mais simples do mundo, mas é tudo que alguém que está em profundo sofrimento precisa: ser escutado, ter sua dor legitimada, poder gastar um pouco daquela emoção. Os espaços de fala são as principais estratégias de intervenção em crises. Pessoas que estão profundamente desesperadas pensando em se matar, em atos desesperados de automutilação, muitas vezes o que elas precisam é ter alguém que comporte, que dê conta de ouvir. A maioria das pessoas já vem com uma resposta pronta: “por favor, não faz uma coisa dessa”. E essa pessoa precisa falar da dor. E se a dor dela envolve o sentimento insuportável de querer acabar com a própria vida, ela precisa conseguir falar sobre isso. E a maioria das pessoas não dá conta, não suporta, é insuportável, dá um medo. As pessoas têm medo de saber que alguém está pensando isso, “poxa, se essa pessoa for ao ato, fizer uma besteira, eu sabia, vou me sentir muito culpada”. Então quem puder no colégio, seja professor, diretor, coordenação, psicólogo, pedagogo, enfim, dar espaço de fala a essa pessoa.

O impulso que se tem, quando alguém toca nesse assunto, é querer oferecer uma solução. Não é isso, né?

Não, se a gente pensar em termos estritos do sofrimento. Vou dar um exemplo: se eu perdi alguém muito importante na minha vida, morreu uma mãe, um pai, uma pessoa muito importante pra mim. Diante da dor do luto, por exemplo, você está lá no enterro, tem até aquelas frases prontas, mas não há nada que vai te tirar daquela dor, não é algo que posso te entregar. A dor do luto faz parte. É uma reação do organismo a uma perda, tem um processo, uma dinâmica, não há nada que eu entregue com palavras diante da dor. O que a gente consegue entregar para o outro na dor é companhia, o suportar, estar junto. Tem uma frase famosa do Freud para pensar a psicoterapia como cura pela fala. Não é a fala do terapeuta, que a pessoa vai lá, conta e o terapeuta fala algo incrível que tira a pessoa da dor. A cura pela fala é a fala do próprio sujeito. Ao falar da sua dor, ao falar da sua história, ao falar dos seus problemas, ao ser escutado, ao ser legitimado, o sujeito tem condições de, a médio, a longo prazo, ressignificar, reelaborar sua própria trajetória, encontrar estratégias alternativas. Cura pela fala não é o terapeuta que tem uma fala mágica, mas o próprio sujeito que precisa falar de si.

Uma coisa interessante que você falou é que existe um medo de se tocar nesse assunto. E até pouco tempo, falar sobre suicídio, por exemplo, era um tabu, inclusive na imprensa, e acredito que nas escolas também. Mas para prevenir o suicídio a gente tem que falar sobre esse problema, né?

É. Quando se pensa no tabu e no caráter contagioso que hoje já se reconhece sobre o tema, a questão não é silenciar porque é tabu ou porque é contagioso. A questão é como falar. Hoje existem manuais da própria Organização Mundial da Saúde para profissionais da mídia sobre como abordar esse tema. É não abordar como sensacionalismo, de forma pejorativa, não fazer divulgação de métodos, não fazer leitura de cartas suicidas, não glorificar a pessoa que se matou, sempre que for falar desse tema falar de serviços de prevenção ao suicídio de acordo com a localidade, apresentar sinais de alerta para quem quer que esteja acompanhando aquilo. Orientar a população e sensibilizar para busca de ajuda.

Isso vale para os professores também? Qual a orientação para os professores?

Acho que qualquer pessoa que vai tocar nesse assunto, tocou nesse assunto, deve apresentar um serviço de prevenção.

Mas é possível tocar no assunto prevenção ao suicídio e à automutilação com o público a partir de 10 anos, por exemplo?

Para um público infantil, um público bem mais novo, as orientações são um pouco diferentes. Porque pode ser que para este público a ideia do suicídio não seja materializada, não seja sentida. Então, nesse caso, as estratégias seriam de psicoeducação, de educar a criança – na verdade, isso seria interessante para qualquer ser humano – a saber reconhecer as próprias emoções, a dar nome às emoções, a comunicar as emoções, a desenvolver habilidades sociais para busca de ajuda, comunicar ao outro, contar para alguém responsável ou de confiança. São outras estratégias com as crianças. Tocar diretamente na ideia do suicídio vai fazer a criança querer buscar, ver mais sobre isso, aí já é mais complicado. Com esse público, tem que ser mais um trabalho mais de psicoeducação emocional, reconhecimento das próprias emoções, comunicação das emoções.

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