Setembro Amarelo: é importante escutar quem está sofrendo

O suicídio é a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. É também a sétima causa de morte de crianças entre 10 e 14 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Esses números alarmantes mostram a urgência do tema, que precisa ser discutido nos lares e nas escolas.

Pensando nisso, o Plenarinho entrevistou o psiquiatra da área da Infância e Adolescência do Hospital Universitário de Brasília, André Salles. “É importante que a gente fale sobre isso, que fale de uma maneira preventiva, mostrando que há muitas alternativas”, explica o especialista.

Salles também afirma que dar voz ao jovem que está em sofrimento é algo fundamental. “Nunca criticar, nunca usar de violência, de agressividade, minimizar ou menosprezar a situação. Dar um espaço para a pessoa falar, se mostrar disponível para escutar essa pessoa e dizer: estou vendo que você está precisando de ajuda, estou vendo que você está passando por um momento delicado e eu estou disponível a poder te escutar, buscar ajuda junto com você”, diz.

Nesta entrevista direcionada a educadores, o profissional explica conceitos e dá dicas de como tratar de assuntos tão delicados, como automutilação e suicídio, no ambiente escolar.

 

O que é a automutilação?

A gente tem que fazer a diferença entre automutilação e tentativa de suicídio. Tentativa de suicídio é quando a pessoa quer, de uma maneira deliberada, interromper a própria vida. Já a automutilação, ela não tem essa intenção de acabar com a própria via, ela vai usar esse subterfúgio de se machucar, de se cortar, de se queimar, como uma forma ou de reduzir o sofrimento psíquico, ou de levar para o corpo o sofrimento psíquico que não está dando conta. Em alguns casos mais graves até como uma forma de estímulo mesmo para poder se sentir vivo.

E esses sinais no corpo passam que tipo de mensagem?

A grande mensagem que uma automutilação passa pra gente é que a pessoa não está conseguindo lidar com seu próprio sentimento e está pedindo ajuda, externalizando tudo isso através do corpo, de um sinal externo corporal.

Como os professores podem identificar um estudante que esteja passando por uma situação assim? E como deve ser a abordagem feita pelos profissionais da educação?

Vai desde comportamentos mesmo, questões comportamentais. O adolescente que está mais isolado, o adolescente que perdeu o estímulo às atividades que ele faz, o adolescente que está tendo conflitos frequentes com pessoas próximas, amigos… Até mesmo situações físicas, mesmo no calor usar roupa que se cobre, sempre estar em lugares sozinhos, vai no banheiro, vai se alimentar, sempre mais sozinho, mais recluso, tem vergonha de estar próximo das pessoas. Pode ser que esteja praticando alguma coisa e esteja evitando que as pessoas vejam.

E aí como deve ser a abordagem do professor? Porque às vezes o adolescente está escondendo isso. Que orientações podemos passar para os educadores?

O primeiro momento é nunca criticar, nunca usar de violência, de agressividade e nunca minimizar, menosprezar a situação. É muito comum a pessoa falar: “ah, isso aí é só pra aparecer, pra chamar atenção”. Ou: “ah, não vou mexer com isso, porque eu vou puxar uma linha e vai vir um monte de coisa atrás”. Dar um espaço para a pessoa falar, se mostrar disponível para escutar essa pessoa e dizer: “estou vendo que você está precisando de ajuda, estou vendo que você está passando por um momento delicado e eu estou disponível a poder te escutar, buscar ajuda junto com você”.

A gente sabe que uma realidade grande em muitas escolas são alunos vindos de famílias desestruturadas, sem um apoio que esse estudante tenha em casa. Quais os caminhos que os professores podem tomar na sua prática? Como ajudar? Que tipo de encaminhamento é possível para além da família, quando a família não é um porto seguro para este estudante?

Pois é. A escola acaba sendo muitas vezes esse grande porto seguro que o adolescente tem para poder se relacionar de uma maneira saudável, para poder ter pessoas mais acolhedoras que vão ajuda-lo. É importante que a família esteja presente neste processo, até porque se for uma família muito disfuncional, uma família que esteja negligenciando esse adolescente, ela precisa ser abordada de maneira acolhedora num primeiro momento, mas até depois de uma maneira mais veemente. O adolescente, dentro do contexto escolar, quando ele se sente amparado, quando se sente seguro para expor as suas questões, geralmente ele faz de uma maneira muito importante, muito interessante. Ele acaba identificando a escola como um grande aliado pra poder tentar resolver as suas questões. Então, neste papel o orientador pedagógico, psicopedagogo, professores, todos têm uma importância muito grande. Geralmente são as primeiras pessoas que identificam e podem estender a mão para poder ajudar.

E no caso da prevenção ao suicídio. Até pouco tempo era um tema que todo mundo evitava falar, por não saber como abordar, por achar que poderia estimular outros casos. Hoje em dia a orientação já é outra, né?

É importante que a gente fale sobre o tema, que fale de uma maneira preventiva, mostrando que há muitas alternativas e que esse tipo de pensamento geralmente vem atrelado a um transtorno mental. Então é um pensamento pessimista, de finitude, mas pautado num quadro psíquico patológico. A pessoa precisa se tratar, precisa de ajuda, e ela se restabelecendo, vai ter alternativas e não vai ter necessidade de chegar nessas vias.

Uma ideia que muita gente tem é a de que não é possível prevenir o suicídio. Isso é verdade?

Não, se a gente pensar que mais de 95% das pessoas que cometem suicídio estão em vigência de um quadro psiquiátrico. Por si só identificar o quadro e tratar já minimiza muito essa possibilidade. Existem tratamentos eficazes, não só psiquiátricos, mas psicológicos e comunitários, que fazem com que a pessoa se restabeleça e esses pensamentos diminuam e deixem de existir.

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