ECA 30 Anos – Com a palavra, os especialistas

No aniversário de 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plenarinho conversou com diversos especialistas no assunto, que toparam compartilhar suas impressões. Confira a seguir esses depoimentos na íntegra.

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Maria do Rosário

(Deputada, presidente da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente)

Em julho de 2020, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, completa 30 anos de existência. A construção do ECA se deu a movimentos sociais de todas as partes do Brasil para a proteção da infância e juventude e contou com parcerias fundamentais no poder público, especialmente no Poder Legislativo, com o protagonismo da Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente e organizações da Sociedade Civil que atuam na promoção e defesa dos direitos humanos e fundamentais de crianças e adolescentes no Brasil. Nesse diapasão, a participação social foi fundamental para a aprovação do Projeto de Lei que originou o ECA, com movimentos que remontam à Constituinte e ao texto da Constituição de 1988.

A absoluta prioridade à infância e adolescência é uma garantia prevista no Art. 227 da Constituição Federal de 1988, no qual o Estatuto encontrou guarida para promover importantes avanços na construção de políticas públicas de proteção à infância e juventude no Brasil. O princípio da Proteção Integral é transversal no Estatuto, e entre seus avanços está a proteção integral às crianças e adolescentes no Brasil, através do Sistema de Garantia de Direitos, articulando entes públicos das três diferentes esferas da Federação e a participação da sociedade civil, por meio dos conselhos de direitos municipais, estaduais e nacional, o Conanda – este desmontado pelo governo federal por meio de Decretos inconstitucionais – e o Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Entre os desafios postos na defesa do ECA e legislação correlata está a defesa intransigente do princípio do não-retrocesso, cristalizado em uma interpretação sistêmica da Constituição Federal e na Convenção Interamericana dos Direitos Humanos. Em uma sociedade que se mobilizou para a construção desta importante legislação de proteção de direitos humanos de meninos e meninas, retrocessos impostos são um ataque aos direitos desta população. Ainda, a mobilização da sociedade civil e do parlamento deve ser pela progressividade dos direitos, incluindo as diversidades sociais e em combate às violações que crianças e adolescentes sofrem no Brasil.

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Mauricio Cunha

(Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente / MMFDH)

Ao completar 30 anos, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, manifesta a expressão brasileira dos instrumentos da ONU que foram transformados em legislação nacional. O estatuto congrega os três princípios orientadores da Proteção Integral:

  • Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Antes, meros objetos da “intervenção” dos adultos, passam a ser protagonistas das políticas públicas. As relações com eles são de natureza vinculante, e não por favor ou filantropia, isto é, o foco não é o objeto, mas a relação dos sujeitos numa perspectiva da cidadania e da defesa e promoção de direitos.
  • Crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento. Elas são especiais, com peculiaridades emocionais, espirituais, físicas, culturais e espirituais, e não “pequenos adultos”. Por isso, toda a consideração deve ser dada às particularidades da infância e da adolescência, respeitando os vínculos necessários para o seu pleno desenvolvimento.
  • Crianças e adolescentes são prioridade absoluta. O ECA reforça as condições postas pela Constituição de 1988, que atribuem às crianças e adolescentes a primeira razão de ser do Estado brasileiro. Este princípio, que podemos chamar também de “discriminação positiva”, deve considerar também o maior interesse da criança nas decisões e na implementação das políticas, isto é, se há dois interesses, o que deve ser levado em conta é o da criança.

Na análise da evolução dos direitos assegurados pelo ECA e dos indicadores sociais relacionados, podemos avaliar alguns dos principais avanços que a legislação permitiu, assim como as áreas que constituem os maiores desafios. Esta análise deve ser feita na perspectiva de um continuum, isto é, de uma construção histórica que requer o engajamento de todos: famílias, poder público e sociedade em geral. Desta forma, não há áreas resolvidas, pelo contrário, mas sim estágios na evolução rumo à plena cidadania, à rejeição de retrocessos e à maturidade na defesa e promoção de direitos das crianças e adolescentes. Os principais avanços estão nas áreas da erradicação do trabalho infantil, redução da mortalidade infantil, acesso à educação fundamental, atenção às crianças em situação de rua, acesso ao direito à convivência familiar e comunitária, e na estruturação, organização e atuação do Sistema de garantia de Direitos. Cada política dessas tem suas próprias características, especificidades, serviços, programas e dificuldades internos.

Podemos citar como principais desafios: o desenvolvimento da intersetorialidade na atuação do SGD; a letalidade infanto-juvenil; a Lei Geral e atuação qualificada, estruturada e reconhecida dos Conselhos Tutelares; a proteção às violências (física, psicológica, sexual, institucional); o fortalecimento do SINASE; a implementação do OCA – Orçamento da Criança e do Adolescente; o desenvolvimento de tecnologias sociais inovadoras que se transformem em políticas públicas, tais como o “família acolhedora”, “família protetora”, os “centros integrados de acolhimento de crianças e adolescentes vítimas de violência”, entre outras; e por último, mas não menos importantes, o fortalecimento das competências protetivas familiares.

DESTAQUES:
ECA Art 4: Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

ECA Art 5: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

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Olympio de Sá Sotto Maior Neto

(Procurador de Justiça. Participou da redação do Estatuto e uma das principais referências no assunto)

Avanços

“A partir do ECA, os integrantes da população infantojuvenil passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e não mais como meros objetos de intervenção da família ou da sociedade. Houve também a alteração da política de atendimento, antes traçada por um órgão federal – a então existente Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) – para todos os municípios da mesma maneira. Hoje, cada município deve fazer o seu diagnóstico e, a partir dele, formular uma política adequada por deliberação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é composto paritariamente entre representantes do poder público e das entidades da sociedade civil que atuam diretamente no atendimento ou defesa dos direitos da criança e do adolescente. E há o reconhecimento pelos tribunais superiores de que a política formulada pelos Conselhos vincula o administrador, que é obrigado, prioritariamente, a canalizar os recursos necessários para a implementação dos programas e ações definidos por essas instâncias. O Estatuto também conferiu papel fundamental à Justiça da Infância e da Juventude, nas situações em que o administrador público não cumpre seu dever – institucional e indelegável – na implementação dos direitos previstos tanto no Estatuto como na Constituição Federal. Estas são as duas pilastras fundamentais do ECA: a indicação dos direitos humanos fundamentais da população infantojuvenil e a intervenção, quando necessária, da Justiça da Infância e da Juventude, acionada principalmente pelo Ministério Público”.

Desafios

“A revolução no atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes possibilitada pelo ECA ainda não ocorreu na proporção em que seria possível, sendo o principal desafio o próprio cumprimento da lei. Nesse sentido, o Ministério Público tem responsabilidade diferenciada, porque é indicado na Constituição Federal e no Estatuto como quem deve assegurar o exercício desses direitos pela população infantojuvenil, atuando tanto na esfera administrativa – instaurando inquéritos civis, emitindo recomendações ao Poder Público e realizando termos de ajustamento de conduta – como ingressando com medidas judiciais quando necessário, especialmente por meio de ações civis públicas. A superação desse desafio requer ainda que todos reconheçam e submetam-se ao princípio constitucional que determina prioridade absoluta para a área da infância e da juventude, que consiste na formulação preferencial das respectivas políticas e da destinação privilegiada de recursos. Sempre que isso não ocorrer, é dever do Ministério Público propor as medidas necessárias para que as promessas de cidadania contempladas na Constituição Federal e no ECA possam chegar à vida cotidiana de milhões de crianças e adolescentes que, infelizmente, ainda hoje encontram-se afastados a participação dos benefícios produzidos pela sociedade”.

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Glicia Thais Salmeron de Miranda

(Advogada, Conselheira Federal da OAB, Presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado nos termos da lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, entrou em vigor noventa dias após sua publicação. Importante destacar que o processo de evolução histórica ao longo dos anos, teve uma significativa incidência política dos movimentos sociais, atribuindo um resignificando a infância, passando da doutrina da situação irregular, para a doutrina da proteção integral. Ficou, portanto, assegurado a todas as crianças e adolescentes brasileiras, os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, e ainda, com prioridade absoluta e especial atenção, devendo se considerar a sua condição peculiar de pessoas em situação de desenvolvimento.

O Estatuto segue reafirmando e definindo passo a passo como esses direitos fundamentais devem ser assegurados e implementada uma política pública de atendimento, sobretudo, para que crianças e adolescentes, na condição de sujeitos de direitos tenham assegurado o direito à vida e convivência familiar, de forma prioritária, com saúde, educação, lazer, assistência social, liberdade, respeito, e todos os direitos que são inerentes a dignidade da pessoa humana. Importante destacar os artigos 15 ao 18-B, cujo texto é cristalino e deve ser lembrado como avanço legislativo. Daí, considerados os avanços, somente capaz de entendimento, com a desconstrução do velho conceito de “Menor”, com práticas ainda fortemente vista e presente na sociedade brasileira.

A Ordem dos Advogados do Brasil, no exercício de suas funções em favor da democracia e da garantia dos direitos fundamentais, associado ao seu papel institucional no controle social, enquanto entidade da sociedade civil, vem, junto com outras entidades contribuindo nos espaços de deliberação e formulação das políticas públicas para a infância e adolescência, a exemplo da representação no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Também por meio da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Federal da OAB, tem contribuído com ações afirmativas, campanhas, debates e conscientização do papel de todas as pessoas, sociedade e advocacia brasileira, quanto a efetivação com prioridade absoluta dos direitos humanos de crianças e adolescentes, observando-se ao que define o artigo 4o do Estatuto.

Entre o real e o ideal, muitas são as formas de pensar, agir, interpretar e garantir que esses direitos já sedimentados teoricamente ao longo dos 30 anos de existência da lei no 8.069/90, avançaram em termos de implementação das políticas públicas, atendendo aos princípios da descentralização e municipalização por meio da criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescente, Conselhos Tutelares e demais equipamentos da Rede de Atendimento institucional, ou ainda, com gestões compartilhadas entre o Poder Público e as entidades da sociedade civil, para execução dessas políticas públicas e que visam garantir a proteção, promoção e defesa dos direitos aprovado pela lei no 6.069/90.

Mas é sobretudo por meio de ações afirmativas de prevenção que se poderá garantir efetivamente o respeito e a dignidade humana de crianças e adolescente. É necessário que esses meninos e meninas tenham direito ao lugar de fala e espaços de participação. As violações e ausência de recursos orçamentários devem estar em debate e ser priorizados. As implicações no processo de evolução humana não devem ser erradicadas com práticas de arbitrariedade, sob pena de involuir. A evidência dos danos, acaso predomine a individualização das ideias e ausência de participação de todos os atores do Sistema de Proteção, inclusive os meninos e meninas, na condição de protagonistas, deve ser repelida sob a proteção dos preceitos legais, principalmente, em respeito ao que elevou a condição de crianças e adolescentes a sujeitos de direitos, a teor do que dispõe o artigo 227, da Constituição da República Federativa do Brasil.

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Victor Graça

(gerente executivo da Fundação Abrinq)

Neste ano de 2020, em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 30 anos de vigência, a Fundação Abrinq também faz 30 anos de intenso trabalho para melhorar a vida de crianças e adolescentes em nosso país. Fundada em 1990 com a principal finalidade de defender os direitos da criança e do adolescente tais como estabelecidos pela Constituição Federal Brasileira (1988), pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU, 1989) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Fundação desenvolve e dissemina programas e projetos sociais, influencia a implantação e a implementação de políticas públicas e articula parcerias de apoio à causa das crianças e dos adolescentes, buscando sempre o apoio de todos os atores sociais, entendendo que a soma de esforços entre o público e o privado é fundamental para avançarmos na conquista dos direitos das crianças e dos adolescentes.
O conceito de criança e de adolescente, como o temos hoje, e seu reconhecimento como sujeitos de direitos, é resultado de um longo processo histórico, de um movimento internacional envolvendo diversas áreas da ciência que, lentamente, culminaram na incorporação dessa nova visão na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990) e demais leis nacionais. De acordo com esses pressupostos, o ECA buscou garantir-lhes a proteção necessária para que se tornem adultos saudáveis, para que lhes sejam dadas todas as condições fundamentais de crescer e se desenvolver de forma plena, com liberdade e dignidade, para que desenvolvam suas potencialidades de forma plena. Desde então, as condições de vida de crianças e adolescentes no Brasil apresentaram progressos em diversas áreas.

Dentre as diferentes estratégias da Fundação, destaca-se a atuação junto aos parlamentares do Congresso Nacional, nas duas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, para aprimorar as propostas em tramitação, para que a legislação nacional possa atender às diferenças e especificidades dos diferentes grupos que compõem a nossa sociedade. Por meio do trabalho da Fundação, são monitoradas proposições legislativas, construídos posicionamentos técnicos e diálogos com parlamentares sobre as pautas prioritárias para a infância e a adolescência.

Em seus 30 anos de vigência, a Fundação Abrinq apresentou grandes melhoras, naquilo em que o ECA pôde ser implementado. Contudo, a sua total efetivação ainda encontra grandes desafios, atrelados, em geral, à escassez de recursos para a estruturação de políticas sociais, num contexto de priorização das políticas econômicas. É necessário, porém, manter o foco nas soluções que, alinhadas à prioridade absoluta conferida pela Constituição Federal de 1988 a crianças e adolescentes, e unidas à vontade de se combater as desigualdades, de fato provocarão mudanças sustentáveis no cenário atual.

Sabe-se que, no Brasil, a produção legislativa é bastante intensa. Um dos efeitos desse fenômeno é a insegurança jurídica, face às constantes alterações a que os marcos legais estão submetidos, gerando o sentimento de que nenhum direito está totalmente protegido.

A causa da supervalorização da ação normativa, contudo, pode estar atrelada às dificuldades do Estado em garantir o bem-estar social, nos termos constitucionais, gerando a ideia de que os direitos sociais precisam ser reafirmados em novos diplomas legais, ou que estes possam funcionar como um instrumento coercitivo, pressionando o Estado a efetivá-los. Talvez, por isso, o tema “criança e adolescente” é constante na preocupação dos legisladores que buscam responder às demandas não só da sociedade, mas desse grupo específico que, por ser composto por pessoas em desenvolvimento, é necessariamente mais vulnerável.

Por essa razão, desde 2012, a Fundação Abrinq mapeia sistematicamente proposições legislativas que se referem, direta ou indiretamente, a direitos da criança e do adolescente, apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Essas proposições estão reunidas no Observatório da Criança e do Adolescente (www.observatoriocrianca.org.br), uma plataforma on-line mantida pela Fundação.

De acordo com esse critério, desde 2012 até janeiro de 2020, foram mapeados 5.585 projetos de lei que impactam em direitos da criança e do adolescente. Desses, 4.693 ainda estão ativos, ou seja, em tramitação. No ano de 2019, que inaugurou a 56ª legislatura, foram apresentados 1.050 projetos de lei que abordam direitos da infância e adolescência. Isso representa 45% dos projetos de lei apresentados durante a última legislatura (2015-2018), que somou 2.328 novas proposições. Ao comparar à quantidade de proposições apresentadas no primeiro ano da 55ª legislatura (2015), correspondente a 937 projetos de lei novos, em 2019 houve um aumento de 11%. Das 1.050 proposições legislativas, 12 foram arquivadas, sete sancionadas e quatro foram devolvidas ao autor. Portanto, continuam em tramitação 1.027 proposições sensíveis às demandas da criança e do adolescente.

É fundamental, entretanto, que as políticas econômicas e sociais sejam pensadas e implementadas conjuntamente, para que o Brasil volte a crescer efetivamente. A criança e o adolescente são prioridade absoluta, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, o que implica em sua priorização no orçamento público.

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Isa Oliveira

(Secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil)

Transcrição do áudio do depoimento

Celebrar os 30 anos do ECA é reafirmar a importância dessa legislação, que está em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. E é importante porque essa celebração reafirma que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público garantir, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

É importante destacar que são direitos fundamentais, direitos indivisíveis, e que devem ser assegurados a todas as crianças e a todos adolescentes brasileiros independentemente da sua condição econômica, do lugar onde vivem, da cor da sua pele, da sua orientação sexual e de ter ou não deficiência.

O ECA traz o respeito à diversidade e o dever de se garantir todos os direitos fundamentais. Direitos que, neste momento em que vivemos uma pandemia, ganham ainda mais importância, que é o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à segurança, à liberdade. São direitos fundamentais que devem ser assegurados a todas as crianças e adolescentes.

E merece destaque ainda uma questão que precisa ser pautada e reafirmada: crianças e adolescentes protegidos, respeitados, que vivam a sua infância e adolescência em segurança e com respeito serão adultos protetores e respeitadores. Isso é muito importante, porque é um divisor que nos levará a um outro patamar de proteção à infância.

É preciso se construir agora essa proteção para que as crianças e adolescentes – que são os adultos daqui a pouco, do futuro próximo – sejam agentes de proteção e de garantia dos direitos fundamentais às crianças e adolescentes que eles cuidarão ou com quem eles conviverão.

Isso é extremamente importante, porque você realmente rompe o ciclo de naturalização em relação às violações de direitos, as violências que acometem crianças e adolescentes, rompe essa naturalização e omissão.

Sobre os avanços conquistados ao longo desses 30 anos de vigência do ECA. Primeiro, eu gostaria de destacar que, no Brasil, se registrou uma redução expressiva da mortalidade infantil. Portanto, foi garantido a crianças e adolescentes segurança alimentar, nutricional, acesso à vacinação. Isso foi decisivo para a redução da mortalidade infantil.

Isso está ameaçado. É preciso que providências sejam tomadas no sentido de que esta conquista não seja realmente perdida.

Outra conquista importante diz respeito à educação. Nestes últimos anos, o Brasil conseguiu, principalmente na faixa etária de 6 a 14 anos, que a taxa de matrícula fosse quase universal – ainda não é, é de 99,7%. E nesse momento nós temos que dar uma atenção especial às crianças de famílias em vulnerabilidade, que estão agora em ainda mais vulnerabilidade em relação ao retorno às aulas. É preciso que esse retorno seja garantido a todos e todas, que não ocorram motivos de abandono da escola, de não volta à escola. E uma atenção especial precisa ser dada aos adolescentes, porque o abandono da escola é mais acentuado a partir dos 11 anos e é mais expressivo a partir dos 15, 16, 17 anos. Os adolescentes, principalmente, deixam de ir à escola. O primeiro motivo é por necessidade de trabalhar, o segundo é por desinteresse. Outro motivo muito forte e que atinge principalmente as meninas é a gravidez e as tarefas domésticas. São os motivos apontados pelos indicadores sociais do IBGE como razões fortes de abandono da escola e da ida para o trabalho infantil. Neste momento corremos um risco.

E um terceiro avanço é que houve uma redução expressiva do trabalho infantil, 68,5% das crianças de 5 a 17 anos foram retiradas do trabalho infantil até 2015. Significa que as ações tiveram efetividade. Agora esse avanço também está ameaçado. Neste momento em que estamos vivendo uma epidemia, o risco de aumento do trabalho infantil está presente e pode se acentuar com a perda de renda das famílias, o empobrecimento da população no pós-pandemia. Esse é um terceiro avanço que a gente conseguiu, mas que está sob ameaça.

Uma outra questão que requer uma atenção especial de todos e todas é a efetividade das políticas públicas. As políticas públicas precisam ser implementadas, então mais recursos devem ser destinados às políticas públicas. E nós vivemos em um momento de desconstrução de políticas públicas, com redução de recursos principalmente para duas políticas que são essenciais para a proteção as crianças e adolescentes, e para prevenir e erradicar o trabalho infantil, que é a política de educação, a política de saúde e a proteção social.

Temos que nos unir na defesa da proteção social às famílias pobres, vulneráveis, que têm crianças em situação de trabalho infantil e que, em geral, têm um recorte racial muito forte, são em sua maioria crianças negras, que vivem em famílias negras e pobres. O trabalho infantil no Brasil tem uma dimensão de classe social, está determinado pela pobreza e também de um recorte racial. A maioria das crianças que trabalham são negras e são pobres.

Isso é importante de se ressaltar, tem que se dar uma atenção especial e tem que chamar atenção para a implementação das políticas públicas de proteção social, de educação, de saúde, porque essas políticas é que universalizam direitos. Só há uma possibilidade de os direitos serem universalizados: é através das políticas públicas. E a responsabilidade de implementar as políticas públicas, de destinar recursos para elas, é do poder público. É preciso ficar bastante claro. E nós, da sociedade, temos um papel importante de fazer o controle social, participar da construção dessas políticas, de fazer propostas e também exigir do poder público que cumpra efetivamente o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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