João Cândido Felisberto, o Almirante Negro

“Há muito tempo, nas águas da Guanabara, o Dragão do Mar reapareceu”. Assim começa a canção que conta a história de João Cândido Felisberto, um marinheiro que virou um símbolo na luta contra o racismo no Brasil. Conhecido como o Almirante Negro, ele foi o líder da Revolta da Chibata, em 1910.

Filho de negros alforriados, João Cândido Felisberto nasceu em uma fazenda na região de Encruzilhada do Sul/RS, em 24 de junho de 1880. 

Sua carreira militar começou muito cedo: depois de lutar na Revolução Federalista aos 13 anos, ingressou na Marinha de Guerra em 1894, aos 14. Ali passaria mais de 15 anos, até se encontrar com o seu destino.

A viagem que abriu seus olhos

Como marinheiro, João Cândido viajava a todo o Brasil e a vários países estrangeiros. Em 1909, foi enviado ao Reino Unido para acompanhar o final da construção de alguns navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro. 

Nessa viagem, ficou muito impressionado ao ouvir sobre uma rebelião organizada por marinheiros russos em 1905. Na luta por melhores condições de trabalho, os rebeldes tomaram um navio de guerra, e só encerraram o movimento quando o czar se comprometeu a atender suas reivindicações. O movimento foi tão importante que foi imortalizado pelo cineasta Sergei Eisenstein, no clássico “O encouraçado Potemkin”. 

Chega de castigos físicos!

De volta ao Brasil, em 1910, João Cândido viu-se rodeado de problemas parecidos com os enfrentados pelos colegas da Rússia – salários baixos, jornada de trabalho excessiva e alimentação ruim. Mas com um agravante: por aqui, os marinheiros que cometiam erros seguiam sendo castigados com chibatadas.

Mesmo naquele tempo, início do séc. XX, apanhar com chibata – um tipo de chicote – era considerado inaceitável. Em 1890, o presidente Deodoro da Fonseca já havia proibido esse tipo de punição na Marinha. Ainda assim, a prática era recorrente. E especialmente perversa, se pensarmos que cerca de 90% dos marinheiros brasileiros eram negros ou mestiços.

João se dispôs a negociar uma solução pacífica com o governo brasileiro, mas não teve sucesso. A insatisfação crescia, a paciência acabava, e um movimento revoltoso começava a se organizar.

A Revolta da Chibata

Em 22 de novembro de 1910, a rebelião começou. Sob a liderança de João Cândido, os marinheiros revoltosos assumiram o controle de quatro navios de guerra brasileiros, apontando seus canhões para a Baía da Guanabara.

Pediam o fim dos castigos físicos, melhores condições de trabalho e a anistia aos integrantes do movimento. Impressionada com a coragem, a imponência e a eloquência de João Cândido, a imprensa o chamou de Almirante Negro. A população ficou do lado dele. A contragosto, o presidente Hermes da Fonseca se comprometeu a atender aos pedidos dos marinheiros, e a revolta terminou.

A represália

O movimento conseguiu o fim dos castigos físicos entre os marinheiros. Deu tudo certo!… só que não. Nos dias seguintes, a Marinha iniciou uma perseguição aos revoltosos. 1216 homens foram expulsos, 600 foram presos, 105 foram enviados para trabalhos forçados na Amazônia. João Cândido foi enviado ao presídio de Ilha das Cobras/RJ, onde dividiu a solitária com mais 17 presos. As condições ali eram tão terríveis que, em três dias, restavam apenas dois vivos – entre eles, o Almirante Negro.

O sofrimento não terminou aí. Em abril de 1911, João Cândido foi internado como louco no Hospício Nacional de Alienados. Juliano Moreira, o diretor da instituição, logo percebeu que o Almirante não tinha qualquer doença mental e lhe deu alta. 

Em 1912, João Cândido finalmente foi absolvido pela Marinha. Ainda assim, foi expulso da corporação e nunca mais conseguiu trabalho na área. Viveu da pesca artesanal o resto da vida em São João do Meriti/RJ. Morreu pobre, em 6 de dezembro de 1969, de câncer de intestino.

Um herói para sempre lembrado

O homem que nunca abaixou a cabeça ante as injustiças e que ousou enfrentar um Presidente para defender a dignidade de seus companheiros virou um símbolo na luta antirracista. Sua história virou tema de livros, filmes e documentários, enredo de escola de samba e peça de teatro. Foi homenageado com uma estátua na Praça XV, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e com um navio petroleiro brasileiro, que recebeu o seu nome. 

Mas uma das homenagens mais lindas foi uma canção de João Bosco e Aldir Blanc, intitulada “O Mestre-sala dos Mares”. A gente termina essa história com um trechinho dela:

“Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais

Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais”

Ficou curioso sobre a letra dessa canção? A gente explica melhor aqui.

 

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2 Comentário(s)

  • by Janailson postado 20/02/2024 16:26

    Parabéns pelo conteúdo me sinto grato por pessoas fazem a verdadeira história chegar até nois.

    • by Turma do Plenarinho postado 21/02/2024 15:02

      Ah, que coisa boa, Janailson! A gente fica muito feliz em saber! Abraços da Turma!

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