Com a palavra: o professor Fernando Spilki

Presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Fernando Spilki explica como a degradação do meio ambiente tem influência na propagação dos vírus em geral e do novo coronavírus, em particular. Fernando Spilki, que também é professor da Universidade Feevale (RS), concedeu esta entrevista ao programa Salão Verde, da Rádio Câmara.

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Quais os aspectos ambientais das transmissões virais? Como o meio ambiente interfere na transmissão e na propagação de doenças virais?

De forma genérica, o meio ambiente é o definidor de como a gente vai ter a introdução de doenças novas (emergentes) nos seres humanos ou a própria manutenção. Para se ter uma ideia, 80% das doenças que atingem os seres humanos já circularam em animais. Então toda vez que vemos uma doença nova, a gente vê uma clara relação com o impacto ambiental. Provavelmente ocorreu uma degradação de habitats, diminuição de espaço para espécies e uma aproximação de alguma espécie hospedeira natural ou de uma segunda espécie que também sofre um primeiro surto daquele agente chegando próximo aos humanos.

Então toda vez que nós adentramos num ambiente, destruímos habitats e fazemos com que as espécies não tenham uma circulação adequada, um espaço para viver, nós fazemos que essas espécies selvagens acabem tendo surtos. E desta amplificação, desta atividade aumentada do vírus na natureza, em algum momento fortuito de caça, de consumo, de utilização dos animais como animais de estimação ou exibição, a gente fica exposto a esse novo agente.

Mesmo doenças instaladas na espécie humana, como as gastroenterites virais, também se disseminam e são um problema aumentado justamente por degradação ambiental. Veja a própria questão da falta de tratamento de esgoto, da urbanização desenfreada, que colocam países como o Brasil numa situação muito ruim também em relação a essas doenças que já ocorrem de forma costumeira na espécie humana.

Que tipo de descontrole ambiental pode agravar as doenças virais?

Fenômenos localizados, como destruição de habitats, expansão desenfreada da fronteira agrícola, mineração, acúmulo de pessoas de maneira abrupta em um determinado local de transição entre área de conservação e civilização são determinantes na introdução de novos vírus. Além desses fenômenos locais, fenômenos globais, especialmente as mudanças climáticas, mudanças no regime hídrico, no regime de chuvas, mudanças eventuais no quadro de temperatura são determinantes e importantes para os vírus.

Um bom exemplo é a expansão para latitudes cada vez mais extremas dos próprios vírus transmitidos pelos mosquitos, resultado obviamente da possibilidade de expansão do habitat desse animais muito relacionado a aumentos na média das temperaturas anuais. Está muito claro que tanto fenômenos locais quanto globais têm influência.

No caso específico do coronavírus, uma coisa chamou atenção logo no início da pandemia. Alguns epicentros, como China, Itália, EUA, Espanha, estarem em latitudes próximas. Isso tem alguma relação com a propagação mais disseminada desse vírus específico?

Neste caso, inicialmente talvez tenha sido muito relacionada a outro fenômeno de origem antrópica, que são as viagens. Hoje se viaja muito no mundo, são praticamente 3 bilhões de passageiros aéreos ao ano e particularmente estes países da Europa, Ásia e Estados Unidos têm conexões muito frequentes e muito numerosas, o que espalha rapidamente uma pandemia como essa.

Há outros casos de surtos virais surgidos de zoonoses?

Infelizmente sim. Veja, tivemos uma intensificação enorme da quantidade de surtos de ebola, por exemplo, ao longo dos últimos 15 anos. O ebola também é um vírus com origem inicial muito provavelmente em morcegos, ele atinge primatas não humanos, e a caça, o contato direto com macacos nestas regiões mais atingidas, acaba levando à introdução hoje frequente do vírus, de um vírus extremamente mortal na espécie humana, em surtos que infelizmente se repetem com uma frequência muito mais alta. Temos visto também um aumento da frequência das epizootias (semelhante a uma epidemia em seres humanos, só que em animais), os surtos de febre amarela nas populações de macacos, de animais silvestres, mostrando provavelmente um fenômeno ligado tanto a questões locais quando de alterações globais.

Por último, diversos outros eventos como o próprio vírus nipá e o virus rendra, dois paramixovírus que na Ásia e Austrália acabaram causando surtos de grandes proporções passando de morcegos para suínos e cavalos na verdade, dependendo do vírus, o que mostra também que uma intensificação das atividades pecuárias de maneira não organizada e atingindo o habitat dos hospedeiros originais, que são os morcegos, também pode levar à introdução de novos vírus, com consequências terríveis para os indivíduos que entram em contato.

Fora isso, temos não só o SARS-CoV-2, causador da Covid-19, mas lá em 2003/2004 a própria SARS original, o SARS-CoV-1, causando também um grande número de mortes. E não nos esqueçamos que os próprios vírus zika, chikungunha, são provavelmente vírus de espécies silvestres que acabam chegando à espécie humana pela picada de mosquitos

Nesta questão das zoonoses, chegou a circular fake news de que cães e gatos poderiam transmitir o novo coronavírus. Está claro que não existe esse risco. Mas é preciso tomar algum cuidado especial com cães e gatos?

Não existem, até o momento, evidências robustas da circulação ou transmissão de humanos para cães e gatos, e muito menos vice-versa. O único achado que existe seria uma detecção feita num animal na Coreia do Sul, um cachorro que pertencia a uma senhora que teve Covid-19. Mas existem sérias dúvidas se este animal esteve realmente infectado ou se foi uma detecção incidental em virtude uma contaminação da amostra.

A gente está chegando perto do inverno. Qual o risco de termos uma combinação de vírus entrando no organismo? O que podemos fazer para nos protegermos melhor?

O período de outono é caracterizado pelo grande número de infecções respiratórias, não só do resfriado comum, causado por diversos vírus, quanto da gripe, causado pelo vírus influenza. Todos esses aumentam sua incidência no período de outono, com continuidade pro inverno. Então já estamos em uma época onde esperamos uma alta atividade destes vírus. Neste ano, temos o agravante da Covid-19. E temos que lembrar que tivemos uma temporada de gripe neste ano, no hemisfério norte, muito, muito alta, com um grande número de casos e um grande número de óbitos, particularmente em países da Europa e Estados Unidos.

Acredito que sim, infelizmente teremos um encontro desses vírus, e pontuar também que em algumas regiões do Brasil a dengue continua muito ativa – neste ano temos um surto histórico de dengue, o que pode ser mais um complicador importante, mais uma ameaça à estabilidade do nosso sistema de saúde.

O senhor poderia citar algumas das ações e pesquisas em curso na Sociedade Brasileira de Virologia em relação ao novo coronavírus?

A Sociedade Brasileira de Virologia está integrada à Rede Vírus, uma rede de especialistas do Brasil todo montada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e Comunicações, que busca reunir esforços sobre o que a ciência brasileira pode fazer. Então, dentro desta rede, há esforços no sentido de conhecer melhor a doença, o agente, estratégias inovadoras de diagnóstico. E, particularmente, nós, da SBV, estamos muito devotados a um projeto grande de sequenciamento do genoma do vírus, de diversas amostras do vírus ocorrendo em todo o Brasil, tentando acompanhar, ao longo deste surto, qual é a estabilidade deste genoma, se este vírus vai apresentar mutações ou não, no sentido de prover ao Ministério da Saúde e aqueles que estão envolvidos no combate à pandemia maiores informações acerca deste vírus e de como ele circula no país.

Além disso, a SBV tem apoiado laboratórios das universidades que venham a se integrar e reforçar a força de diagnóstico, de detecção de vírus em pacientes, para melhorar as nossas condições de resposta à pandemia.

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