A Escola no Mundo Digital

Muito se fala sobre os riscos que a internet pode trazer para crianças e jovens: acesso a conteúdos inadequados, discursos de ódio, cyberbullying, entre muitos outros. Mas a proteção dos dados ainda é um assunto que não recebe a merecida atenção neste debate. O tema precisa entrar em pauta, especialmente em tempos de isolamento social, quando o ensino depende de plataformas tecnológicas para chegar aos estudantes.

O guia “A Escola no Mundo Digital” foi elaborado por três organizações que trabalham pela democratização da comunicação e educação, e liberdade de expressão e da infância. A intenção do Instituto Alana, Educadigital e Intervozes é auxiliar famílias, educadores e gestores escolares a entender melhor o uso da internet por crianças, em especial a importância da proteção de dados pessoais estudantis.

Dados pessoais estudantis

Para começar, vamos entender do que estamos falando. “Quando uma criança vai ser matriculada na escola, o responsável legal vai compartilhar informações cadastrais: nome, endereço e, eventualmente, uma foto. Esses são dados pessoais estudantis. Mas não só. Com a introdução das tecnologias no ensino, a quantidade de informações consideradas dados pessoais estudantis aumenta. Desde o login na plataforma, até – dependendo de como ela funciona – registros de acesso a internet, os cliques que a criança dá, as mensagens que ela troca com os colegas ou com os professores também vão se tornar dados pessoais estudantis”, explica a advogada do Instituto Alana, Marina Meira.

Mas por que essa deve ser mais uma preocupação para pais e educadores? “Por se tratarem de informações íntimas que, observadas individualmente ou em conjunto, dizem muito sobre os hábitos, preferências, e a vida daquele estudante. Quando se trata de uma criança ou adolescente, a gente deve se preocupar ainda mais. Eles estão no que a gente chama de peculiar fase de desenvolvimento físico, psíquico, emocional, social em geral”, observa Marina. Ou seja, eles ainda não desenvolveram um discernimento completo e precisam ser protegidos também em relação a seus dados.

Consequências da coleta ilegal

A plataforma de ensino pode coletar indevidamente dados não relacionados com as aulas remotas, como o acesso a outros sites, cliques, likes e comentários feitos pelo estudante, o tempo gasto em cada conteúdo de internet e as compras online feitas por aquele aparelho, por exemplo. E isso tem consequências negativas.

“Esse conjunto de dados pode ser muito valioso para o direcionamento de publicidade comportamental, baseada nos gostos de cada um. E qual é o problema disso? Em primeiro lugar, você está utilizando a atividade educativa para fins comerciais. Em segundo, é importante lembrar que toda publicidade que conversa diretamente com a criança, toda pessoa com menos de 12 anos, é considerada ilegal pela legislação brasileira. E a publicidade baseada em dados é ilegal até para adolescentes, pessoas com até 18 anos. Outra consequência negativa seria um vazamento de informação. Imagina que dados de uma criança – foto, endereço ou eventualmente a geolocalização dela – são vazados e vão parar nas mãos de uma pessoa maliciosa, informações que podem ser utilizadas para fazer bullying, cyberbullying ou para ataques à integridade física e sexual dessa criança?”, enumera Marina.

Outro exemplo citado pela advogada seria a venda dos registros escolares para empresas de recrutamento de recursos humanos. No futuro, aquela pessoa pode perder oportunidades no mercado de trabalho sem nem mesmo saber disso.

Legislação protetiva

A legislação atual já traz instrumentos para proteger os dados pessoais estudantis. A Constituição indica prioridade absoluta na proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, entre outros pontos, o direito à intimidade e à privacidade. E, mais recentemente, entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que dedica todo um artigo (art. 14) ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.

Segundo a nova legislação, esses dados só podem ser tratados (ou seja, coletados e usados) se tiverem relação direta com o produto ou serviço utilizado. E, no caso de crianças e adolescentes, o uso desse material só pode ocorrer se for “em seu melhor interesse”.

Mas como saber quais dados estão sendo coletados durante o uso de determinada plataforma? O caminho não é tão simples como deveria ser. A resposta pode estar nos quase sempre indecifráveis termos de uso e política de privacidade. “São aqueles documentos com letrinhas pequenas e muitas vezes escritas com jargão jurídico, com linguagem de difícil compreensão, mas não deveria ser assim. A LGPD estabelece que eles deveriam ser facilmente compreensíveis a qualquer pessoa, inclusive crianças e adolescentes”, observa Marina.

Essas políticas são encontradas na internet, mas os responsáveis legais também podem solicitar à escola. Esse documento deve especificar quais tipos de dados estão sendo coletados pela plataforma. Além disso, é preciso que fique claro como esses dados serão utilizados depois.

Sabendo o que está sendo coletado e o motivo, o responsável pode avaliar a necessidade da coleta. “É necessário, por exemplo, que essa empresa saiba quais sites uma criança acessa ou quanto tempo ela passa em cada vídeo? Quais são as compras feitas online naquele computador? Isso não guarda nenhuma relação com o objeto da plataforma digital de ensino”, explica a advogada. Isso não significa que nenhum dado possa ser coletado – muitos têm relação com a educação e até a proteção da criança e do adolescente, como o registro de alergias, por exemplo.

Se identificado que a coleta foi desnecessária, ela pode ser considerada ilegal. Aí, é direito do titular (ou seu responsável legal) pedir o apagamento dos dados diretamente à empresa. “A gente recomenda que a pessoa entre em contato também com a escola e explique a irregularidade, para que possa se pensar em uma solução coletiva para o problema: um pedido de apagamento dos dados pessoais de todos os estudantes ou, eventualmente, a adoção de uma outra tecnologia”.

É importante lembrar que esses cuidados protegem não só os estudantes, mas todos os envolvidos no processo de ensino: gestores escolares, educadores e  famílias.

para-o-educador

A quinta competência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê a compreensão, criação e uso crítico e responsável das tecnologias. Além de indicar uma plataforma de troca de experiências sobre o tema entre educadores (Pilares do Futuro), o guia “A Escola no Mundo Digital” traz um passo-a-passo para ajudar os usuários a ler e entender termos de uso, políticas de privacidade de aplicativos, produtos e serviços digitais. O guia elaborado pelo Instituto Alana, Educadigital e Intervozes pode ser consultado e baixado clicando aqui

A Turma do Plenarinho também está super antenada neste tema. Já falamos aqui sobre a Lei Geral de Proteção de Dados , ciberativismo , além de termos uma parceria com o Instituto Palavra Aberta para desenvolver ações de educação midiática.

E para você, educador, preparamos um texto e um plano de aula com sugestões de atividades para trabalhar a Cidadania Digital com seus estudantes.

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